segunda-feira, 10 de abril de 2017

O Diabo e a possessão

O Diabo adquire diferentes conotações: ora como aquele que entra no quarto das moças, para tentá-las e levá-las ao pecado, ora como o responsável por tirar a vida de mulheres indignas. A mulher que tinha relações sexuais, certamente as tinha com o próprio Diabo. O Diabo pode ser interpretado não só como o homem com quem a mulher se relaciona, como também a própria sexualidade, que é sempre dada como uma tentação, um pecado, algo perigoso e que deve ser evitado e reprimido.

“Elisabeth de Hoven
Freira num convento de Hoven, no século doze. Encontrou um dia o diabo no seu quarto. Reconhecendo-o pelos cornos, foi direita a ele e deu-lhe uma estalada que o atirou pelos ares... Noutra ocasião, julgou que um homem tinha conseguido entrar no convento, mas quando depois se convenceu de que tinha estado tratando com o diabo, a irmã Elizabeth exclamou: <<Oh! Se tivesse logo percebido isso, que bofetada eu lhe teria dado!>>”
Novas Cartas Portuguesas, 1972, p. 76

No Convento, essas histórias eram repetidas frequentemente no intuito de alertar as freiras que não deviam deixar o diabo entrar em seus quartos. E, caso cruzassem com ele, deviam fazer como Elisabeth, dando-o bofetadas, ao invés de se deixar levar por ele, que representa a tentação e o desejo.

“Gabriellle de Strées
Amante de Henrique IV, morreu em 1599. Sabe-se que ela tentou casar com o rei. Estava grávida pela quarta vez, e vivia na casa de Zamet, famoso homem da finança... Quando passeava no jardim, teve um grave ataque de coração. Passou uma má noite, e no dia seguinte foi acometida de tão assustadoras convulsões que ficou completamente negra e a sua boca torceu-se tanto que ficou na nuca. Expirou no meio de grandes tormentos e horrorosamente desfigurada... Várias pessoas atribuíram ao diabo este acto caridoso. Diziam que o diabo a estrangulara para evitar um escândalo e mais incómodos.”
Novas Cartas Portuguesas, 1972, p. 80

É então que o Diabo assume o papel de carrasco, aquele responsável por tirar a vida daquela mulher desonrada, que envergonhava a todos, provavelmente até a ele. É carregado de ironia o fato de ser um ato caridoso, quando é praticado pelo próprio Diabo.
A possessão também é encarada de maneira parecida quanto à repressão sexual. A mulher que expressa sua sexualidade e seus desejos é vista como possuída, assim como aquela que expressa sua opinião e vai contra o que lhe é imposto.

“Maillat (Louise)
Jovem demoníaca que viveu em 1598. Tendo perdido o uso dos seus membros foi levada, para exorcismo, à Igreja do Sagrado Redentor. Verificou-se que ela estava possessa de cinco demónios chamados lobo, gato, cão, boneca e grifo. Dois demónios saíram-lhe pelo nariz sob a forma de bolas do tamanho de um punho, uma vermelha como o fogo e a outra, o gato, completamente preta. Os outros demónios deixaram-na menos violentamente. Uma vez fora dela, os demónios giraram à volta do fogo e desapareceram. Descobriu-se que Françoise Secretaire fizera engolir os demónios pela rapariga escondendo-os numa côdea de pão cor de estrume.”
Novas Cartas Portuguesas, 1972, p. 78

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