segunda-feira, 10 de abril de 2017

O Convento

O convento tem singular importância na questão feminina em ambos os contextos. É quase que uma entidade, imposta desde jovem àquela mulher que, de alguma forma, não servirá para o casamento. É o destino da menina que é arrancada da casa dos pais e confinada no convento, onde ela deve se submeter a uma série de restrições e se adaptar, mas em alguns casos, como o de Mariana, só faz crescer a revolta e o sofrimento das que ali foram abandonadas por diversos motivos, contra sua vontade.

“Mas de ti que é feito minha Mariana? Que resta de ti, aí de clausura posta à força? Recordarei sempre teus gritos, teu desespero, tua raiva, tua recusa enlouquecida em aceitares o convento, teu ódio; depois perante o inevitável, teu mutismo, teu aceitar dos factos com altivez, o desprezo por todos a subir-te aos olhos e o sorriso cortante a paramentar-te de ironia e a boca em jeito de vingança...”
Novas Cartas Portuguesas, 1972,  p. 170

A mulher tem de enfrentar o seu destino, que é inevitável e cruel. É vista como frágil, incapaz e sempre submissa, seja ao homem, no casamento, ou à Instituição do Convento. Não tem liberdade intelectual, em casos extremos sequer aprende a ler e a escrever, pois não será necessário, já que seu papel é única e exclusivamente doméstico, cuidando da casa, dos filhos, do marido; lavando, cozinhando, costurando ou fazendo orações.

“Tu a quem sempre dei bons exemplos, te levei à igreja e se não foste à escola foi por teima do teu pai que é de opinião dele as raparigas não terem precisão de saber ler – e é o teu pai quem manda –, pois o destino das mulheres é este, minha filha, e temos de levar a nossa cruz e se pelo menos sabes ler algumas coisinhas e fazer o teu nome fui eu que to ensinei às escondidas...”
Novas Cartas Portuguesas, 1972, p. 314

“Que desgraça se nascer mulher! Frágeis, inaptas por obrigação, por casta, obedientes por lei a seus donos, senhores sôfregos até de nossos males.”
Novas Cartas Portuguesas, 1972, p.170

“O teu pai bem disse logo que soube que eras rapariga: << em má hora nasce, que não nos serve para nada, uma mulher só vem dar trabalho à gente>>.”
Novas Cartas Portuguesas, 1972, p. 312

Além de ser negado à mulher o direito ao conhecimento, à liberdade intelectual, suas particularidades e personalidade também são neutralizadas, especialmente pelo Convento, que treina as mulheres para que se tornem “honradas”, obedientes, silenciosas e sem pecados. Entre as páginas 75 e 85 de Novas Cartas Portuguesas, juntamente com trechos do Dictionary of Witchcraft, é mostrada a situação da mulher no convento. As passagens são como um coro de mulheres, freiras, não só numa oração, mas também como uma espécie de juramento diante das autoridades, no caso a Madre Abadessa. É, ainda, um pedido de socorro, de mulheres desamparadas e confusas, que são mandadas da casa dos pais, presas e reprimidas, confusas especialmente com os próprios corpos, que não deveriam ter.  Diversas vezes é repetido o questionamento: “Madre Abadessa, e o que seremos sem corpo E com cavaleiro?”. Sem corpo, a sexualidade feminina é completamente reprimida, especialmente no convento, onde a única paixão que podem ter é o Senhor.

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